dimarts, 31 de desembre del 2013
O fantasma do amor romântico nas relações livres, Loucas Lolli
Se eu ando de mãos dadas com algúem na rua, está implícito pra quem olha que fazemos sexo. Por quê? Por que almas gêmeas (trigêmeas, quadrigêmas etc) têm que ser sempre pessoas que fazem sexo? Por que, quando estou doente, triste, sem grana ou com algum outro problema, quem tem que me ajudar é em primeiro lugar alguém com quem eu faço sexo? Por que só posso fazer cafuné, dormir de conchinha, ir pro baile, viajar, tomar sorvete, passear no parque, regularmente, ou primariamente, com alguém com quem eu faça sexo? Por que todas as minhas expectativas, anseios, frustrações, mágoas, sonhos e desejos precisam ser depositados em alguém com quem eu faça sexo? Por que, pra tudo na vida, esperamos uma resposta de alguém com quem fazemos sexo?
Por que só posso pensar em morar junto, construir uma vida junto, ter planos pro futuro, adotar crianças, constituir um lar ou família, exclusivamente, com pessoas com quem eu faça sexo? E se duas ou mais pessoas se gostam tanto que decidem entrelaçar suas vidas, morar sob o mesmo teto e até dividir a cama, elas precisam necessariamente fazer sexo? E se em algum momento elas fazem sexo porque gostam, e depois de um tempo o desejo sexual de alguma das partes se vai, mas elas querem continuar compartilhando suas rotinas, elas precisam continuar fazendo sexo pra manter a estrutura da vida conjunta?
Por que chamamos uma pessoa importante na nossa vida, mas com quem não fazemos sexo, de “amigx”, e uma pessoa com quem fazemos sexo de “companheirx”, “parceirx”, “amorosx” ou “alguém com quem me relaciono”? Por que uma pessoa com quem faço sexo se sente inferiorizada se a chamo de “amigx”? E por que é estranho chamar alguém com quem não faço sexo de “companheirx”, “pareceirx”, “amorosx” ou “alguém com quem me relaciono”? Sem sexo não há relacionamento? Não há companheirismo, confiança, intimidade, ajuda mútua, partilha, aprofundamento?
O sexo tem que ser assim tão determinante no grau de profundidade e no caráter geral de uma relação? Precisamos chegar ao ponto de clivar as relações entre “com sexo” e “sem sexo”, usando nomes diferentes pra cada? Por que, em vez disso, não dividimos nossas relações entre “com afinidade política” e “sem afinidade política”, ou então entre “com conversas profundas” e “sem conversas profundas”, ou ainda entre “com gosto artístico parecido” e “sem gosto artístico parecido”? Por que, acima de todas as outras características, especificamente a presença do sexo define a forma de se relacionar?
Sim, é fato que essas construções já estavam no mundo quando chegamos, mas precisamos perpetuar essa história?
É natural que o sexo ajude a fortalecer outros vínculos, e o problema não é esse. O problema é que continuamos a acreditar que o sexo, e só o sexo, possibilita, e de fato obriga, uma forma diferente de amor, mais sublime, superior, mais verdadeiro. Desse modo, pessoas heterossexuais só podem amar “de verdade” pessoas do sexo oposto, e pessoas homossexuais só podem amar “de verdade” pessoas do mesmo sexo. Mais do que isso: dentro dessa lógica, só me é permitido amar “de verdade” alguém que pertença àquela pequena parcela da humanidade que eu considero atraente sexualmente. Ou então, pior ainda, eu tenho a obrigação de sentir atração sexual por qualquer pessoa que eu ache extremamente importante na minha vida, e apenas por essas pessoas. Sentimento profundo e sexo são fundamentalmente indissociáveis dentro desse contexto. Não há sexo sem amor, e não há amor “verdadeiro” sem sexo.
Ora, que amor é esse? Esse é o amor de Shakespeare, Goethe, Hollywood e Disney. É o amor que já vem com fórmula pronta, lotado de expectativas, cobranças e “a prioris”, que só fazem sentido na monogamia compulsória. Não é o amor que queremos. Ao menos, não é o amor que eu quero. O amor que eu quero não vem formatado, e é diferente pra cada pessoa na minha vida.
No latim, “amor” e “amica/amicus/amicum” vêm do mesmo radical. Amigx é algúem que se ama. Todas as pessoas que eu amo são minhas amigas. Em alguns casos há sexo, em outros não. E isso não determina nada.
republicado de amores livres
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